O DIA EM QUE COLATINA FICOU DESERTA

Já imaginaram a cidade de Colatina praticamente deserta, entre casas residenciais e comerciais, sem ninguém nas ruas por mais de três dias? Pois isto aconteceu no ano de 1930, quando instalou-se no país, a chamada revolução, quando os revoltosos se voltaram contra o governo do então presidente da República Washington Luís. Quem conta a participação do Espírito Santo no episódio e que envolveu a cidade de Colatina são três personagens da nossa comunidade, jovens na época: Zilma dos Santos Nogueiras, viúva do saudoso Geraldo Vargas Nogueira, Maria de Almeida Guimarães (dona Mariquinha) e seu esposo, Dário Guimarães. Eles enriquecem com detalhes o que por aqui se passou quando o trem da antiga Vitória-Minas trouxe para a cidade os revoltosos mineiros comandados peto Tenente Amaral e Pelo Major Gastão.


FUGA PARA O MATO


Rebelar-se contra o Governo sempre foi uma característica da nossa história. Em 1930, a coisa não foi diferente. Como o governo de Washington Luís já estava sofrendo desgaste, ainda mais devido às eleições acirradas que movimentaram a Nação, instalaram-se focos de revolta em estados como Rio Grande do Sul e Minas Gerais, com participações de outros estados, a exemplo do Rio de Janeiro e São Paulo. Naquela época, a cidade de Colatina despontava no Espírito Santo como uma cidade que tinha tudo para crescer e, politicamente, era uma cidade de peso. No entanto, neste período não se manifestava politicamente a favor ou contra os revoltosos, limitando-se as forças políticas da época a comentar os acontecimentos. Foi quando surgiu o comentário de que Minas Gerais, aliada ao Rio Grande do Sul, marchava para São Paulo, a fim de impor seus ideais, e o Espírito Santo foi escolhido para ser o caminho de uma das rotas para capital paulista.

Foi um pânico por toda a próspera Colatina. Famílias inteiras temendo saques, estupros em suas mulheres e filhas, partiram para o mato, nas florestas ainda existentes pelos lados de Maria das Graças, Córrego do Ouro e outras áreas próximas da cidade. “Muitos correram para o mato”, contou dona Mariquinha, e, inclusive, para o tereno de seu pai, Henrique de Almeida,que ficava pelos lados do bairro Maria das Graças. “Ali construíram um barracão de palha que serviu de abrigo para os ‘Fugitivos e durante uma ou duas semanas,muita gente ficou escondida a espera de mm meação da revolta", contou Mariquinha.
OS HERÓIS

Para Dário Guimarães, três personagens de Colatina merecem considerações e serem mencionados no episódio. Relatou Dário que seu pai, Joaquim Guimarães, José Saltes Nogueira, pai do saudoso Geraldo Vargas Nogueira, e o Coronel Pinto, foram poucos dos que aqui na cidade semi-deserta ousaram ficar. Resolveram os três então ir de encontro aos revoltosos que já se encontravam no setor noroeste da cidade e que estavam acampados pelos lados de Santa Joana. “Eles pensaram logo que se fossem ao encontro das forças revoltosas a cidade seria poupada de saques e de confusões. E assim, foram. Pegaram um tróler na estada de ferro, com uma bandeira branca hasteada, e subiram a ferrovia. Ao se depararem com as forças comandadas pelo Major Gastão, imediatamente entregaram a cidade; rendição entregue sob a condição de que não fizessem nenhuma confusão em Colatina”, contou Dário.
Foram três dias de domínio das forças mineiras e os revoltosos não saquearam e nem ao menos tocaram numa propriedade colatinense. Os mais de 100 homens ficaram acampados na praça municipal, que ficou conhecida como a Praça da Revolução, e, segundo Dário Guimarães, as casas comerciais e residenciais continuaram fechadas. “Nem energia elétrica teve, já que o motor que gerava a energia pará Colatina não funcionou,ficando a cidade completamente escura. A noite só se ouvia o latir de cães. E o resto era o mais profundo silêncio”.

“Seu Dário” disse que um capixaba, que Colatina provavelmente não conheceu, acabou segurando todas as forças revoltosas em local próximo do município de Baixo Guandu, que na época era um distrito de Colatina. “O camarada, de posse de uma metralhadora, não deixou ninguém passar e foi resistindo, durante uma semana, quando foi morto. No morro da Cabrita, em Colatina, as milícias capixabas construíram trincheiras, mas não resistiram e acabaram fugindo nos pranchões da Vitória-Minas, já que lutar contra o movimento era loucura”, disse Guimarães.
FUGA DE CANOA

Dona Zilma Nogueira contava que, na época, foi obrigada a embarcar numa canoa e ir para a roça, já que os comentários eram de que os revoltosos, com lenços vermelhos no pescoço, eram sanguinários e iriam matar todos os colatinenses. “Foi uma tensão muito grande e viam-se famílias inteiras fugindo para os barracões improvisados na mata. Lembro-me que fui com meus irmãos e amigos para uma canoa no Rio Doce, atravessamos o rio com algumas coisas, inclusive roupas e comidas, e permanecemos no mato até a revolta passar".

Depois, João Pessoa foi assassinado e, sendo Getúlio Vargas seu vice, a revolta ganhou rumos diferentes. Com a adesão de políticos de outros estados, Getúlio impôs a sua ditadura. Apesar de uma ligeira participação na história da Revolução de 30, Colatina não foi destruída como se pensava. A rendição da cidade através de seus três corajosos cidadãos, Coronel Pinto, José Salles Nogueira e Joaquim Guimarães, serviu para mostrar o interesse que os três tinham pela cidade. Seus nomes podem até não constar de patrimônios, logradouros e outras dependências públicas, mas é certo afirmar, que gerações futuras saberão valorizar seus heróis que, um dia, defenderam a terra colatinense frente aos estranhos invasores.


Fonte: Revista Nossa


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