A EPOPÉIA DA IMIGRAÇÃO ITALIANA PARA O BRASIL



Em 23 de novembro de 1861 o governo brasileiro anunciava as vantagens da Imigração para o Brasil, notadamente para o Estado do Espírito Santo. Em Portugal não havia gente suficiente para cobrir as necessidades brasileiras e, o país não tinha necessidade interna para imigrar. Foi então preciso procurar outros países onde existisse tal necessidade. A princípio o problema foi solucionado no tocante à quantidade, mas a qualidade dos imigrantes deixou muito a desejar. Em alguns países eram recrutadas pessoas dos prostíbulos e das prisões, e a troco de alguns centavos eram lançadas nos navios pelos "Intermediários" que recebiam grandes somas do governo brasileiro.
Em 17 de fevereiro de 1874 chegava ao porto de Vitoria o navio “La Sofia”, conduzindo 388 imigrantes italianos provenientes, em sua maior parte, da província de Trento. Eles foram contratados por Pietro Tabacchi, que possuía a fazenda “Monte das Palmas”, em Santa Cruz. O empreendimento, porém, não prosperou, provocando descontentamentos e revoltas por parte dos colonos. Um grupo seguiu para colônias oficiais do sul do Brasil enquanto outros aceitaram a proposta do Governo do Espírito Santo para se instalar na “Colônia Imperial de Santa Leopoldina”, sendo direcionados ao Núcleo de Timbuhy, no atual município de Santa Teresa.
Como as pessoas trazidas não tinham habilidade para a lavoura e como não abandonavam os lugares à beira-mar, passou o governo brasileiro a enfrentar novos problemas, sérios, sem contudo resolver, cobrir sua necessidade prioritária, que era a de fixar o homem no campo. Era preciso desenvolver e mesmo, criar a agricultura, mas para isso nem ferramentas, nem sementes, em quantidade haviam. 
Tendo em vista os numerosos problemas criados e a não solução dos seus, resolveu o Governo Imperial baixar as novas normas para a imigração. 0 Brasil passou a escolher o titulo de imigrantes de que necessitava - além da documentação, era exigida a qualificação da pessoa. Dava-se preferência, prioridade a carpinteiros lavradores, etc
O Brasil, em 1870, estava terminando sua guerra com o Paraguai e precisava, mais do que nunca, de gente para a lavoura e tinha urgência em resolver vários problemas. 
A Itália estava atravessando uma das suas maiores crises com a fome e o desemprego encabeçando a lista de seus problemas internos. 0 Governo Imperial, sabedor das qualidades do homem italiano e conhecedor de suas necessidades, lança, na Itália atormentada, propaganda muito bem difundida e ao mesmo tempo tentadora, e aos italianos só restou: "Partirem súbito per I’América per i! Brasile a far fortuna". 
Esta foi uma das frases que sacudiu o coração e a mente dos italianos, principalmente do Venedo, onde existiam os maiores problemas.

Em conseqüência deste chamamento, outras frases vieram se suceder. "Mama mia, Dammi Cento Lire che in América voglio andare". 
Em 15 de novembro de 1874, é construída a Hospedaria da Emigração da Pedra d’Água em Vitória, hoje local da penitenciária. 
No Venedo, várias familias começavam a "arrumar as coisas". As coisas mais necessárias eram separadas e arrumadas, as menos importantes eram vendidas, dadas ou trocadas. 
"0 nervosismo, aliado às certezas e às dúvidas, era vencido pela esperança e pela fé". 
Pronta a mudança, sempre com a ajuda dos parentes e amigos, era a mesma, colocada no canto da casa a espera do dia em que, sobre carros puxados por mulas ou mesmo sobre os ombros de homens e mulheres, seria transportada até à estação mais próxima desta, de trem, através de Milão e de outras cidades até Gênova.
Em Gênova as dificuldades não eram menores. Questão de alojamento, de conferência de documentos, licenças, hora da partida, apresentação da bagagem, etc. 
No cais de Gênova a confusão era geral. Eram formados em grupos separados e preparados para o embarque. 
"Era preciso manter as famílias sempre juntas, pois as crianças se perdiam ao misturar-se na multidão, cuidar das crianças e das malas não era tarefa fácil, as crianças agarravam-se às saias das mães ou às calças dos pais e com medo e pavor choravam. Chegada a hora da despedida. Os que iam ficar davam as últimas instruções, sugestões e faziam seus últimos pedidos. Os que partiam faziam a mesma coisa. Muitos falavam ao mesmo tempo. E era uma triste confusão. As lágrimas corriam na face de todos, abraços. 0 tempo ia passando e os guardas a pedir: vamos embora, está na hora, vamos subir. Lágrimas, choro, gritos e beijos se associavam às últimas frases: não esqueça de escrever, mande notícias logo, cuide das crianças, te espero sempre, Deus te ajude e acompanhe, reza sempre o terço! 


Enfim, todos a bordo "O comandante manda levantar a escada. O navio dá um apito forte e deixa todo mundo tonto. Começa a viagem, todos no cais querem ficar mais perto do navio que vai se afastando devagar. Lenços são acenados e dai a pouco não se via mais nada, só mar". Muitos passavam mal no navio, vomitavam muito e ficavam fracos e os que morriam eram jogados no mar. Não havia água à vontade nem para beber, e muitas vezes a sede era saciada chupando-se um pano úmido, a comida era mal feita, uma sopa rala e sem tempero. Na passagem pelo Estreito de Gibraltar, parecia que o navio ia bater naquelas pedras. 
Em São Vicente, o Arquipélago de Cabo Verde, o navio parava para reabastecer. Uns saltavam e andavam, outros-ficavam no navio olhando o movimento e aí é que foram vistos pela primeira vez os homens pretos. Os italianos ficavam admirados e chegavam a dizer: "olha que homem sujo", é preciso dar banho nele, outros jogavam moedas n’água para ver os pretos mergulharem e apanhar. 
Após abastecido, partia o navio direto ao Brasil. Os problemas reapareciam: náuseas, vômitos, falta de leite, de água e de alimentos, Algumas mulheres que amamentavam ficavam fracas, sem leite nos peitos e com isto as crianças ficavam doentes, sofriam muito e muitas delas faleceram. Muitas foram amamentadas por outras mães. 
Enfim, a viagem se aproximava do fim, o navio parava no Rio de Janeiro. Os passageiros saltavam e dois ou três dias depois eram embarcados novamente, com destino o mais variado possível. Uns que viam e que tinham escolhido o Sul do País terminavam sendo encaminhados para o Espírito Santo e vice- versa. 
Os que vinham para Vitória ou para Benevete eram distribuídos para várias localidades. 
Milhares deles saíram de Benevete para Alfredo Chaves, Santa Tereza e Colatina. O pessoal era retirado do navio e colocado em barcas que iam até o cais que era todo iluminado em grandes faróis. Do cais eram levados através de uma grande escadaria e um cemitério, um lugar denominado San Martim, onde existia uma casa de imigrantes. Aí nessa casa se pernoitava sobre esteiras. Pela manhã todos se levantavam e voltavam ao cais para embarcarem nas pranchas que levavam o pessoal a Alfredo Chaves. 



A prancha ficava lotada de gente e bagagem e vários homens com grandes varas iam empurrando rio acima. Quando o rio estava muito cheio e a correnteza muito forte, a viagem era interrompida em Jabaquara. Ai o pessoal era levado para um morro onde pernoitava . Acordavam bem cedo, voltavam à prancha e com chuva ou sol eram levados até Alfredo Chaves, onde existiam duas hospedarias de imigrantes. "Em Alfredo Chaves, ficavam à espera de algum parente ou alguém que os escolhessem para colonos Isto levava três, quatro e até mais dias, como a comida era pouca e a fome muita, vários deles passaram péssimos dias. Foi em Alfredo Chaves, que os italianos viram a farinha de mandioca pela primeira vez. Foram levados para comer, viram vários pratos cheios de farinha e disseram: aqui é bom, veja como tem muito queijo na mesa, quando foram provar e sentiram que não era queijo esclamaram: porca miséria, isto é serralha, de pau, foi a primeira decepção. Outros pensavam que era só abrir a cana e tirar o açúcar.De Alfredo Chaves para Carolina, São Marcos, Iriritimirim, Ribeirão do Cristo, através de picadas nas matas e montanhas com ou sem guia. Espinhos, pedras, cobras, chuvas, sol, faziam com que muitos desanimassem. 
Enfim, foram se adaptando às novas circunstâncias, trabalhando logo na lavoura ou na construção da estrada de ferro. 
Adquiriram terrenos, cultivaram, multiplicaram suas famílias, sempre, com muito sacrifício. Como as reclamações iam se multiplicando, e após várias inspeções, a imigração italiana foi suspensa, para o Espírito Santo em 20 de julho de 1895 . 



                                                                         USA 
Muitos dos italianos aqui radicados recebiam cartas dos parentes e amigos da Itália solicitando ajuda para poderem vir também para o Brasil Eles não tinham condições financeiras e pediam somente a passagem. Houve pedido da comissão do Núcleo Castelo ao Presidente da provinda neste sentido, onde dizia da necessidade e também para evitar que eles fossem para os Estados Unidos da América, de onde recebiam melhores propostas. A escassa imigração italiana para os Estados Unidos da América, a principio e o grande número de emigrantes, principalmente para o Brasil e a Argentina nos anos de 1877, 1880 a 1888, deveram-se a variadas causas e dentre elas podemos citar: os italianos se sentiam como estranhos nos Estados Unidos, pois não entendiam a língua e a nossa era semelhante à deles; os costumes americanos eram bem diferentes dos deles e os costumes da América do Sul bem parecidos; a clemência do clima; os ingleses, nos Estados Unidos, tinham uma religião diferente; os ingleses não consideravam os italianos como os demais e sim inferiores e os serviços pesados e insalubres sempre ficavam para os italianos.



Condições das passagens nos navios que faziam a imigração 
1- Se na hora do embarque fosse constatado a doença grave ou contagiosa, o dinheiro da passagem era restituído à pessoa e também aos parentes que precisavam ficar com ela, em terra.

2- Se a doença fosse constatada à bordo, durante a viagem, o passageiro tinha direito ao médico e aos medicamentos, gratuitamente. 

3- Se o navio não chegasse ao porto na data fixada pela agência, cada passageiro tinha direito a 2,50 francos por dia 

4- 0s alojamentos eram para oito ou dez pessoas, que recebiam canecas etc. Que deveriam ser devolvidas na chegada

5 - As crianças tinham direito à meia cama.

6 - Os pertences das camas: travesseiro, cobertor e colchão eram fornecidos.

7 - Cada passageiro tinha direito a dez quilos de bagagem gratuita e que não podia exceder a 10 metros cúbicos. O excesso pagava 12 francos e as roupas eram consideradas como bagagem.

8 - A ração era assim distribuída:
Pão branco - 700 Gr;
biscoito 500 Gr - todos os dias;
Carne fresca -250 Gr - 5 dias da semana;
arroz 80 Gr - 2 dias da semana;
Macarrão branco - 80 Gr - nos dias em que não era servido arroz;
Ervilhas e feijão - 50 Gr - nos dias em que não era servida a carne;
peixe -160 Gr -nos dias que não era servido carne;
batata - 150 Gr - nos dias que não era servida carne;
queijo d’Holanda, Piacentino ou do Brasil - 50 Gr - nos dias em que havia carne;
Café de 2ª qualidade - 20 Gr - todos os dias;
Açúcar de 3ª - 30 Gr - todos os dias;
Salada - 20 Gr- dois dias por semana;
Óleo de oliva - 10 Gr -todos os dias;
Sal - 20 Gr - todos os dias;
Vinho - meio litro - todos os dias.
Os trópicos, eram serviços 6 ctls. de acquavita por passageiro.

9 - Uma criança de 4 a 12 anos tinha direito a meia ração e uma criança de 12 a 14 anos direito a um quarto de ração.

Os italianos passaram a conhecer a moeda brasileira na Ilha das Flores no Rio de Janeiro, que era o Mil Réis, todo de prata. Passaram a chamar Mil Réis de “Fiorin” por causa de Flores, a ilha. O Tostão, passaram a chamar de Teston porque precisavam de 10 para fazer 1 Mil Réis. O Vinte Réis passaram a chamar de Cinque Soldi pois precisavam de cinco para fazer 1 Tostão.
Assim passaram a conhecer o Fiorin, o Toston e o Soldi.
As designações dos lotes de terras adquiridos pelos imigrantes
As designações vinham descritas num documento de duas folhas, sendo no lado esquerdo das mesmas escrito em português e no lado direito escrito em italiano


 Núcleo Colonial Antônio Prado
                    (Mutum)

Designações de lotes de terras -designazione di lotto di terre

Dizia o documento :
Ao senhor Fulano de Tal fica pelo presente designado o lote n° tal no distrito. . . é sujeito as seguintes obrigações:

1- Recebe o comprador o lote medido e demarcado na frente e a parte dos fundos, deve cuidar dos marcos e se desaparecerem as despesas da nova medição serão do comprador, etc . . .

2 - Até seis meses da designação deve estar roçada e plantada uma área de mil braças quadradas, construída uma casa. Se não fizer isto poderá perder as benfeitorias feitas e o lote poderá ser vendido pelo director salvo os casos de força maior e enfermidade prolongada.

3 - O comprador obterá o título definitivo depois de ter pago sua importância, não dever nada ao governo e provar que nele reside há um ano pelo menos

4 - Somente são dispensados da obrigação da morada e cultura os lotes de menor superfícies nos distritos urbanos, mas devem fazê-lo em dois anos se não perderão o direito.

5 - Os caminhos rurais, terão a largura de quatro braças e as árvores só podem ser plantadas à distância de-uma braça da estrada.

6 - As árvores que nas denrubadas caírem sobre os caminhos deverão ser retiradas.

7 - Para as pontes e outras obras públicas poderão ser retiradas as madeiras dos lotes incultos, gratuitamente.

8 - Na demarcação dos fundos dos lotes devem seus donos abrir as picadas, etc...

9 - O preço do lote é de Três Réis por braça quadrada.

10 - Os direitos conferidos por esta designação aproveitam somente a pessoa ou a família em cujo benefício é expedida ou os seus descendentes herdeiros com a precisa capacidade. Para a transferência dos direitos por venda ou por outro modo deve precender a provação da Presidência da Província sobre informação do Diretor.

                                                          
                                                           Ilusão e Esperança

Meio desesperados, os chefes de família começaram, receber suas colônias, de acordo com a capacidade e número de pessoas que compunham a família imigrante. Quem tinha muitos filhos recebia uma área maior de terras e assim por diante.

Como a ração dada pelo governo era pouca, muitas famílias acabaram passando fome, resistindo e juntando forças graças ao fubá e o açúcar. Houve casos de crianças e pessoas desesperadas pela fome que acabaram intoxicadas por comerem ervas e raizes venenosas.


Fonte: Revista Nossa 1989


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