BOTOCUDOS DO RIO DOCE


Grupo de Botocudos no aldeamento de Mutum em 1882. Foto de Joaquim Manoel Martins Ayres

Dessa mesma exposição alemã participa outro profissional radicado no Espírito Santo: Joaquim Ayres, que recebe do Inspetor de Terras e Colonização a solicitação para elaborar um álbum fotográfico, com vistas de diferentes localidades da Província.
Foi com objetivo semelhante ao citado que Joaquim Manoel Martins Ayres havia elaborado, em 1882, o mais antigo álbum fotográfico de que se tem notícia no Espírito Santo, para a administração pública local. A encomenda foi feita pelo engenheiro João Cassiano de Castro Menezes e pelo presidente da província Inglez de Souza. Continha 36 fotografias (18 em cartões imperiais e 18 em tamanho grande), somando-se os retratos de índios botocudos e pancas, bem como as paisagens do Rio Doce, tiradas no aldeamento do Mutum. Destinava-se à participação do Espírito Santo na Exposição Antropológica, realizada no Museu Nacional do Rio de Janeiro (que na época funcionava próximo ao campo de Santana), organizada, no mesmo ano, pelo naturalista Ladislau Neto, pioneiro na difícil empreitada de estudar a arte e a cultura dos povos indígenas. O resultado de suas investigações — pautado em conclusões subjetivas e criticado pelos especialistas que o sucederam, por considerarem o trabalho destituído de rigor científico — foi publicado em 1888.

Além de elaborar o álbum, Joaquim Ayres (acompanhado do engenheiro Castro Menezes) passou cerca de um mês entre os índios, coletando artefatos produzidos pelos nativos, crânios e outras ossadas. Feitas as coletas e os registros das imagens pelas lentes da câmara do fotógrafo, decidiu a autoridade citada enviar também ao Rio de Janeiro uma família de botocudos (composta de quatro homens e três mulheres), que seria apresentada como exotismo, na mesma exposição.
A participação dos indígenas provocou grande celeuma e dividiu as opiniões da imprensa: de um lado colocavam-se aqueles que enalteciam a ideia de "exibi-los na Corte, com a elegância que lhes é própria e os ademanes que lhes são comuns. De outro estavam aqueles que criticavam severamente a "insensibilidade e a falta de respeito dos organizadores da exposição antropológica e do governo local em levar os indígenas, retirando-os do seu meio, para mostrá-los como curiosidade".57 Nessas posições críticas estava embutida a preocupação de que os índios locais fossem usados como instrumento dos estudos que deram origem às pseudo-teorias científicas, nas quais os povos indígenas e os africanos aparecem sempre como inferiores, não-inteligentes, indolentes, lascivos, mecanismo que enfatizava a superioridade das raças europeias.


Embora a elaboração do álbum fotográfico tivesse sido solicitada antes (uma vez que o autor expõe as fotografias elaboradas dos índios, vistas e paisagens, cita o objetivo com que foram feitas, e fala também dos objetos coletados por ele, em matéria publicada no jornal Província do Espírito Santo, em 05 julho de 1882, p.2), o contrato só foi firmado depois de a exposição ter sido encerrada. Basta citar que a Exposição Antropológica foi realizada em julho e a Portaria n. 45, que fixou o contrato com o fotógrafo para a realização do álbum, só foi assinada em 02 de nov de 1882.


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NOTAS DESTACADAS:
1. Como explicar: O retorno dos índios ao Espírito Santo foi novamente movido de polêmica. Dos cinco botocudos que estiveram na Europa e Estados Unidos, apenas dois retornaram, o que levanta nova onda de especulações sobre o assunto.
(Cf. "Os Botocudos", A Província do Espírito Santo, 6 e 11 jul. 1884, p. 3. 5if Cf. O Espírito-Santense, Vitória, 30 nov. 1882, p.4.)

2. ÁLBUM: índios Botocudos do Aldeamento do Mutum
Autor: Joaquim Ayres
Data: 1882
Dimensões: 11,5 x 17,3 cm Acervo Museu Solar Monjardim’

FONTE: LOPES-Almerinda da Silva, MEMÓRIA APRISIONADA,
Edufes, Vitória, 2002.



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