RIO DOCE UM MAR DE ÁGUA EM 1974

Reportagem na íntegra do Jornal A Gazeta de 28 de setembro de 1974.
Já naquela época curiosamente,a mais 40 anos atrás,se comentava diretamente sobre os problemas do afetado Rio Doce.
E uma pergunta me vem a mente.
Porque ninguém agiu ainda para impedir a morte desse grandioso Rio,que além de grande tem um valor incalculável para as cidades aonde ele banha?
Leia atentamente a reportagem.Que estarei aqui postando aqui na integra.Reflita a partir dela o que poderia e o que ainda pode ser feito para o nosso Rio Doce.Boa leitura!!!

Um “mar” de água sem sal, definem os livros mais antigos. Nos últimos 62 anos suas águas começaram a invadir propriedades situadas à margem de seu leito.
O volume de água também decresceu nesse período. As enchentes nunca mais vieram, conta Agostinho Filho, da Sucursal de Linhares, (Colaboração do Foto Vitória).
As águas invadem propriedades e o leito fica mais raso. Por que?
As propriedades que margeiam o rio Doce, no Espírito Santo, com exceção de poucos trechos, estão perdendo terreno, tomadas pelas águas. O rio vem ocupando as laterais, principalmente entre Mascarenhas e Regência, trecho que sofreu alargamento de 400 metros nos últimos 62 anos — o que significa 6,45 metros por ano. Mas o volume de água também está decrescendo desde 1952, restringindo essa ameaça de invasão do leito e das águas.
As enchentes, que se repetiam de sete em sete anos, não mais se registraram a partir de 1923, data recordada por um dos pioneiros,de Linhares,Moacir Calmon Costa,70 anos,casado - com 10 filhos e, atualmente, dono parcial da sesmaria de 3 Pontas,local de maior afluência turística da lagoa Juparanã.

O desbravador linharense Moacir Calmon Costa vem cuidando da lagoa Juparanã desde 1952, tendo iniciado suas repetidas trajetórias pelo rio Doce em final de janeiro de 1912,quando viajou à noite para Colatina,onde principiaria seus estudos. Com boa memória,acusou a expansão lateral do rio,que absorvia terrenos de fazendas ocasionando queda de seu volume e de profundidade,consequentemente.Foi o sr. Calmon Costa a contar a metamorfose física.As agora tão raras enchentes no Espírito Santo têm influência direta da falta de águas provenientes da região de Minas Gerais.A perda da profundidade vem sendo verificada há 12 anos,aproximadamente,quando ficou o rio considerado inavegável pela diminuição das águas,devido ao grande desmatamento às suas margens,no território das alterosas.A mesma influência negativa se comprovou pelo considerável espraiamento do leito entre Colatina e Regência.


Em 1915 segundo,o Sr Calmon Costa,a parte mais larga do Rio Doce era compreendida entre Mascarenhas e Regência,com o leito de até 600 metros.Já a de maior estreiteza ficava entre Itapina e Mascarenhas,com margens equidistantes em menos de 450 metros.Além desse trecho,que se conservou o mesmo de 1912 até agora, há também o da ocupação pela fazenda Gigante,abaixo de Mania Ortiz quatro quilômetros — ainda com 500 metros inter-laterais,devido à existência de pedras em grandes quantidades. Dali até Colatina, o rio também era estreito.

DILATAÇÃO DA LARGURA

Enquanto em 1912 a largura maior atingia 600 metros,atualmente, o trecho mais dilatado do rio chega a mil metros entre Povoação e Regência.
Corpo mais estreito está o ainda conservado de ltapina a Mascarenhas - com relação a 1912 — dado aos revezes,que são pedreiras às margens da corrente,acelerando a velocidade das águas,inclusive — o que se chama de corredeiras.
A abertura natural do rio Doce, logicamente, tomava terras às margens, nas fazendas,causando prejuízo,força do líquido e reduzindo,ainda,o espaço físico para as culturas à margem. Na época revivida pelo Sr. Moacir Calmon, plantava-se arroz e outros cereais comuns, além da cana de açúcar.Hoje,a margem é quase que totalmente ocupada por plantação de banana,cacau e por pastagens — principalmente no município de Linhares.
Mas essa ameaça de dilatação da largura,de acordo com explicação do pioneiro Moacir Calmon,“vem sendo diminuída desde 1954,com seu leito perdendo água,face à falta das enchentes que se repetiam com muita violência de sete em sete anos”.
PONTOS PERCORRIDOS

Em Linhares,a profundidade máxima do rio Doce sempre foi nas proximidades da ponte presidente Getúlio Vargas. “Ali ainda existe,em altitude das águas tom relação ao leito,cerca de cinco metros em tempo de seca — subindo para oito por ocasião das enchentes.Em 1912,havia profundidade de oito metros no mesmo local,nos períodos de estiagem.”
Entre os pontos extremos do rio, lagoa de Óleo e farol de Regência, há uma distância de mais de 80 km. Esses limites têm citação de acordo com carta geográfica preparada pelo Instituto Brasileiro de Geografia para o IBE/SNR,em julho de 1968,e distribuída agora pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE,como mapa censitário de 1970.
De acordo com o mapa, o rio percorre ,em Linhares terras próximas às localidades de lagoa do Óleo, fazenda Bela Vista, Bonfim, São Salvador,Pedrolândia,Paraguassu,Aliança,Papagaio,Amaralina,Palmas,Travessão, Pestana,Linhares, Sossego,São Felix,Conceição,Jussara, Arnal,Santa Tereza,Pirojá,Triunfo,Califórnia, Caporanga,Boa Esperança,Candelária, Império,Tapuia,Santa Júlia,Santo Amaro, Monsarás,Povoação do Rio Doce,Bela Vista e Pontal de Regência. Isso à sua esquerda,onde passa a estrada ES 12.
OUTROS CAMINHOS
Pela margem direita, no sentido Colatina-Oceano Atlântico,o rio,no município de Linhares,passa perto de Pachon,Tupã,Riachuelo,Ipiranga,Contenda,Piraquê,Pensamento,Teodorico,Novo Horizonte,São Silvestre,Pego,São Geraldo,Brasil,São Benedito,Ipanema de cima,São Pedro,Bugrinha,Humaitá,Goitacazes, novamente juntos na sede de Linhares, Santa Rita,Dulcelândia, São Joaquim, Jotaipeba, Pindorama,Glória,Estrela do Sul, Luisitana,Maria Bonita,Primor,Caiçaras,Arcélio Penha,Petrópolis,Entre Rios, São Jorge, Bom Retiro, Regência e seu farol do mesmo nome.
As localidades foram enumeradas pela ordem, nas respectivas margens do rio. E,em toda essa extensão,ele tem 52 pequenas e grandes ilhas,atualmente,além de arquipélago perto de Paraguassu. Tudo,segundo observações no mapa preparado pelo IBG para o IBE/SNR,EM JULHO DE 1968.
Há 12 anos,aproximadamente,o rio Doce tornou-se impraticável para navegação, mas serviu como meio de transporte flutuante,explorado por cinco vapores: Juparanã (dois em períodos diferentes),Colatina,Muniz Freire,Milagres e Santa Maria.Isso antes da preparação de vias rodoviárias, porque Linhares não chegou a receber vias férreas, embora tivesse sido cogitada para o empreendimento antes de Colatina,ficando desprestigiada na época,para o que seria então um melhoramento extraordinário.
VAPORES

Os vapores eram atração na região de Linhares,especialmente entre Regência e Colatina —sua rota. Parte de sua história foi lembrada pelo Sr. Moacir Calmon.Era o antigo Juparanã,primeiro vapor em que embarquei para navegar pelo rio Doce,numa noite de janeiro,em 1912,indo para Colatina a fim de estudar as primeiras lições. Sua iluminação era por faróis de bordo,a querosene, mesmo combustível dos lampiões que clareavam a pequena povoação de Linhares.
Assemelhando-se às gaiolas do rio São Francisco,com grande roda à retaguarda,para imprimir marcha-ré,os vapores que cruzavam o rio Doce faziam embarque,em Linhares,no porto localizado ao final da atual rua da Conceição. Tinham viagens semanais de Regência para Colatina,e vice-versa,gastando de dois a dois dias e meio no percurso,de acordo com o volume de água encontrado.Nas secas,havia mais trabalho com a embarcação encalhando muito e a tripulação cabia a tarefa de empurrá-la com espeques.
A parte de trânsito normal,sem muitos encalhes nas estiagens,era da fazenda Gigante até a ponte que liga, agora, o centro de Colatina a São Silvano. Ali,o porto era na cabeça da ponte,no lado do centro da cidade,e havia um caminho carroçável meio à mata — passando por onde hoje é a praça da Prefeitura.La até a estação ferroviária já existente naquela época. Nesse tempo dos vapores no rio Doce,a localidade de Maria Ortiz tinha o nome de Santo Antônio,com movimento de locomotivas desde 1906.A denominação identificava a fazenda,com senzala,de Alexandre Calmon,irmão do avô materno de Moacir Calmon — Joaquim Francisco da Silva Calmon.

RIO NA JUPARANÃ.


Segundo o Sr. Moacir, ainda, houve, em 1951,uma seca,de seis meses que atingiu as matas da região,amarelando todos os vegetais.A lagoa Juparanã não sofreu qualquer influência,começando ele próprio a cuidar dela,doravante.Herdou parte,comprou outra e requereu uma terceira ao Estado - totalizando 800 metros,inclusive de praia.
Mas essa lagoa tem abaixamento em dois metros,a partir de abril e indo até outubro,quando começam as águas de verão,que dão a profundidade normal de 25 metros. Isso acontece, por sofrer a lagoa Juparanã influência do volume de água do rio Doce,onde ela deságua, através de canal apelidado rio Pequeno, fazendo a confluência aos fundos da Prefeitura de Linhares.
O rio Doce — ou de água doce,como foi designado em 1877 por Cartas Geográficas,corre por Minas Gerais e Espírito Santo,dividido em dois braços por uma linha de areia,indo ao sul de São Mateus,desembocando no oceano Atlântico em 19°36’ de latitude,e 43°11’ de longitude.Conta-se que navegantes portugueses,encontrando no “mar’’ –água sem sal,perceberam esse leito fluvial e o chamaram de rio de água doce.
Sebastião Fernando Tourinho,que morava em Porto Seguro,tentou em 1572 subir por ele,porém desistiu,por falta de meios apropriados para a experiência.Munindo-se,tempos depois,de equipamentos e provisões necessárias,conseguiu chegar pelo Espírito Santo até Minas Gerais,que lhe era uma província desconhecida.
ADMITE O NOME

Pouco abaixo do Salto do Inferno é que o rio recebe a denominação de Doce. Dali por diante vai recebendo seus tributários como,à margem direita,os pequenos rios Nóz de Casca,Matipó,Sacramento-grande,e os ribeirões Entre-Folhas e André Vaz.Pela esquerda,Sacramento-pequeno,Mambaça e o Piracicaba.Além desses afluentes,o rio recebe muitos outros e tem inúmeras outras cachoeiras,ressaltando-se o Salto de Escadinhas,onde a água cai em 2.444 degraus.
Quando entra em Linhares,sua vista panorâmica é majestosa. Alarga seu leito,faz diversos estirões semeados de muitas ilhas,ora em grupos muito bonitos — como os da Carapuças,ora isoladas.Recebe pela direita os rios Santa Joana,Santa Maria e Anadia e,pela esquerda,o Pancas e as águas das lagoas das Palmas,Juparanã e outras.
O primeiro barco a navegar em suas águas foi construído por Nicolau Rodrigues da França Leite,em 1857,que celebrou um contrato com o Governo para introdução de dois mil colonos europeus em terras que lhes tinham sido cedidas às margens daquele rio. Em junho,a embarcação pioneira,à vela,teve lotação de 38 toneladas,conduzindo 40 colonos de diversas nacionalidades.
ESSE PRIMEIRO BARCO
A embarcação saiu do porto da capital em 21 de junho de 1857 e chegou em 20 de julho do, mesmo ano na colônia Franciliânia, ou Fransilvânia, situada entre os rios São João e Pancas. A colônia foi abandonada pelo construtor do primeiro flutuante do rio Doce porque,em 1860 Avelino dos Santos França Leite — seu filho —foi morto e devorado pelos índios nos limites dessas terras.
Conta-se que naquela época muita gente em Vitória tinha horror ao rio Doce. Em Linhares supunha-se perigosa a iniciativa de fixar residência no Guandu pelas febres que diziam ali reinar.No Guandu,onde era raríssimo algum caso de febre intermitente acreditava-se que era a vila em Linhares o foco de todas as moléstias.Assim,as populações dessas áreas concorriam para descrédito,nos idos de 1900,regiões já tão deslumbrantes,no que,tão próximas da então capital do império;ainda eram povoadas por índios antropófagos. O rio Doce possuía maior volume d’água que atualmente,porque era mais estreito. E tinha fama de difundir a febre e mais pestes, recebendo primeiro barco e hospedando canibais.




Matéria originalmente publicada no jornal A Gazeta de 28 de setembro de 1974.






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